A linha de crédito para investimentos em Angola garantida pelo Estado português tem 700 milhões de euros disponíveis, disse a presidente da Companhia de Seguros de Créditos (COSEC), Celeste Hagatong. Certo é também que a procura por parte de Angola de produtos portugueses está a diminuir. Amigos, amigos, negócios à parte? Claro que sim, embora isso desagrade ao mano gémeo do MPLA, o PS.
“N este momento a linha tem 1,5 mil milhões de euros, não está totalmente utilizada ainda, mas é uma linha que tem fomentado imenso a internacionalização da actividade da construção e obras públicas”, disse Celeste Hagatong em declarações à Lusa no âmbito dos 50 anos da COSEC, que se assinalam este ano.
“Na sequência da visita do primeiro-ministro [António Costa] a Angola, no ano passado, a maturidade da linha foi aumentada de 7 para 10 anos e foi uniformizado o contrato-tipo para essa linha, o que facilita bastante a sua utilização; desses 1,5 mil milhões, 500 milhões já foram utilizados e reembolsados, havendo 800 milhões utilizados e em reembolso, e o remanescente em fase de definição de prioridades pelo Governo de Angola, que é quem define a prioridade e o enquadramento, havendo 700 milhões por utilizar”, apontou a responsável.
Questionada sobre se há falta de apetência das empresas portuguesas por Angola, Celeste Hagatong rejeitou a ideia, explicando que a existência de valores disponíveis e não utilizados tem a ver com a situação específica da economia de Angola, ainda a recuperar de vários anos de recessão e com um alto nível de endividamento, que o Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem o país assinou um acordo em Dezembro, coloca em cerca de 90% em 2018.
“Isto é dívida pública e as coisas não têm estado a sair com a velocidade que gostaríamos porque Angola tem restrições de dívida pública, mas está a analisar as operações, algumas estão no ‘pipeline’, mas há plafonds de endividamento, como Portugal tinha há uns anos”, explicou, desdramatizando a existência de valores não usados e disponíveis para segurar os investimentos de empresas portuguesas em Angola, o quinto maior destino das exportações nacionais.
“A procura por parte de Angola de produtos portugueses, como de outras importações, está a diminuir, mas não se deve às empresas portuguesas não quererem exportar, mas sim a restrições na situação que Angola tem relativamente às importações, tem dificuldades cambiais e aumentado a dívida que tem de restringir as importações”, explicou a presidente da COSEC, lembrando que “Portugal também fez isso há uns anos”.
Sobre a linha, Celeste Hagatong detalha que “quem define o projecto a utilizar esta linha é o Governo de Angola, que propõe ao Governo português, que por sua vez avalia se aquele investimento faz sentido e se a empresa é credível, porque tem que se garantir que a empresa é tecnicamente capaz de fazer a obra, e depois há uma verificação cá e lá sobre se o investimento é prioritário e se faz sentido apoiar essa empresa”.
A relação com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) é um dos esteios da actividade da COSEC, diz a presidente, vincando que, do ponto de vista da análise de crédito, e apesar de serem um mercado tradicional para as empresas portuguesas, “todos os PALOP são de elevado risco e ninguém faz exportações sem um seguro de crédito ou alguma outra forma equivalente”.
Ainda assim, acrescenta, “nunca houve atrasos nesta linha de 1,5 mil milhões de euros com Angola”, o mesmo acontecendo com a linha de 300 milhões de euros assinada em 2011 e que terminou este ano com a disponibilização de 30 milhões de euros para acabar obras em infra-estruturas e estradas.
Moçambique, aliás, é um país olhado “com muita atenção porque com o desenvolvimento do sector do gás há oportunidades que se levantam, e as empresas portuguesas têm toda a capacidade para estar presentes e não vão deixar fugir esta oportunidade”, conclui.
A COSEC tem um capital social de cerca de 46,5 milhões de euros e segura anualmente transacções que equivalem a 10% do Produto Interno Bruto português, lê-se no livro lançado para assinalar os 50 anos da companhia, no qual se escreve que “em 2018 foi atingido o valor mais alto em termos de exposição ao risco, de 13 mil milhões de euros, e de transacções comerciais cobertas de cerca de 20 mil milhões de euros”.
Dividida em duas grandes áreas – seguros de crédito às exportações e gestão das linhas de crédito do Estado, a COSEC foi criada em 1969 e tem uma quota de mercado que ronda os 50%.
Como estávamos em 2016?
Há três anos as principais seguradoras de crédito à exportação para Angola e Moçambique já se tinham retirado destes países, dizia o director do seguro de crédito e caução da consultora Willis Towers Watson, Acácio Ferreira. Isso numa altura em que, por exemplo, as exportações portuguesas para Angola e Moçambique registavam quebras superiores a 30%.
“As seguradoras de crédito estão a retirar-se de Angola e Moçambique; podem não o assumir publicamente mas retiraram-se desses mercados”, assegurava o responsável, que enquanto consultor e mediador de empresas, trabalha com todas as seguradoras de crédito.
“Ninguém garante Angola e Moçambique”, vincou Acácio Ferreira, dando conta de um “agravamento enorme da pressão sobre os seguros de crédito” devido às dificuldades destes países em pagarem as importações em moeda estrangeira, nomeadamente dólares.
“Os exportadores portugueses perderam estes mercados; nota-se claramente que a preocupação não é novos ‘plafonds’ de exportação, não é exportar, mesmo, é retirar os valores, receber o que falta receber destes mercados, porque o impacto não é só nos exportadores, há também um forte impacto nas empresas que venderam a outras empresas portuguesas que dependiam fortemente destes mercados africanos”, e que agora não conseguem pagar aos seus fornecedores nacionais, dizia.
“A crise das transferências é o principal problema das empresas portuguesas, porque não conseguem tirar de lá os fundos e o mercado está a ficar cada vez mais pequeno” devido ao abrandamento das economias angolana e moçambicana, a primeira para 0,9% do Produto Interno Bruto e a segunda para 5,8%, este ano, segundo o Banco Mundial.
Apesar de não haver muitos sinistros, ou seja, situações em que as empresas os créditos dão como incobráveis, “não sabem quando é que podem receber o valor em causa, o que por sua vez coloca em causa a sobrevivência de muitas empresas portuguesas, que não conseguem pagar a fornecedores por serem valores importantes ou prazos dilatados”.
Em causa, disse na altura este consultor que estava no mercado dos seguros de crédito há mais de 20 anos, “estão centenas de empresas que estão a ir para insolvências ou Processos Especiais de Recuperação (PER) por causa de Angola, o segundo maior destino das exportações portuguesas para fora da União Europeia, a seguir aos EUA.
“Os maiores sinistros de vendas [não pagamento da mercadoria entregue] são de clientes que vendem para Angola, porque muitas vezes as vendas até são feitas só no mercado português, mas o fornecedor vende a uma empresa que por sua vez exporta em Angola e quando entra em rotura, deixam incobráveis em Portugal”, dizia Acácio Ferreira.
Na génese do problema estava (será que já não está?) a incapacidade de as empresas em Angola fazerem os pagamentos em moeda estrangeira, a partir do momento em que o petróleo desceu de preço e diminuiu significativamente as receitas, e a excessiva dependência das empresas portuguesas na exportação para Angola, por causa da recessão em Portugal depois da crise das dívidas soberanas na Europa, no princípio da década.
“As empresas portuguesas começaram a dar crédito porque Angola era um mercado muito interessante e era preciso compensar o abrandamento da procura interna em Portugal, nos últimos anos, porque historicamente o país lusófono mais complicado de fazer seguros de crédito era Angola; ninguém trabalhava com crédito e todos exigiam ou pagamento antecipado ou cartas de conforto”, explicou Acácio Ferreira.
“A partir do momento em que as empresas portuguesas deram crédito a clientes angolanos, a pressão sobre o mercado de seguros de crédito aumentou exponencialmente”, conclui.
Tsunami nas exportações portuguesas
Nessa mesma altura (2016) as exportações de Portugal para Angola e Moçambique registaram quebras superiores a 30%, demonstrando a vontade das empresas procurarem alternativas a estes mercados em crise.
“As Pequenas e Médias Empresas estão cada vez mais empenhadas na diversificação de mercados de exportação”, comentou o então presidente da COSEC.
Miguel Gomes da Costa exemplificava com Angola, dizendo que está a perder peso no total dos pedidos de seguros de créditos contratados com esta seguradora especializada em garantir o pagamento dos produtos exportados.
“O que se tem notado este ano é que Angola está a perder peso; em 2015 valia 47% do total garantido, agora representa apenas 27%, o que significa que há outros países que estão a substituir esse mercado, designadamente Marrocos”, concluiu o responsável da COSEC.
A tentativa das empresas portuguesas diversificarem os mercados encontra uma boa expressão nos números das exportações para Angola e Moçambique, os dois mercados africanos mais importantes para as empresas portuguesas.
As exportações de Portugal para Angola diminuíram 45%, para 303,2 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2016, ao passo que as importações aumentaram 12,5% para 216,7 milhões, diminuindo o saldo positivo para 86 milhões.
De acordo com os números calculados através da base de dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) português, o saldo positivo da balança comercial entre Portugal e Angola encurtou-se então em mais de 272 milhões de euros.
O saldo comercial positivo para Portugal passou de 359 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2015, para 86,5 milhões de euros, nos primeiros três meses de 2016.
Folha 8 com Lusa
Vamos lá a ser objectivos. Além da crise em Angola que afecta o poder de compra dos seus cidadãos , a verdade é que após as habilidades dos angolanos para (des)cumprirem os pagamentos internacionais, as empresas portuguesas têm procurado activamente novos mercados. E a meu ver o processo é irreversível. Ao conseguirem entrar em mercados mais exigentes, por exemplo com a exportação de vinho para os Estados Unidos, nenhuma dessas empresas voltará a considerar Angola um mercado relevante.